Publicado por: fgalvao | Janeiro 29, 2008

René Descartes – Método, duvida, pensamento…

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Algumas ideias gerais:

Descartes sentiu, desde muito cedo, o desejo de conhecer a natureza, o homem e o universo. Foi após ter terminado os seus estudos, que se apercebeu da sua ignorância.

“Alimentei-me das letras desde a minha infância, e porque me tinham persuadido de que, por meio delas, se pode adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo quanto é útil à vida, tinha um enorme desejo de as aprender. Mas, logo que terminei todo este curso de estudos, no termo do qual é costume ser-se acolhido na categoria dos doutos, mudei completamente de opinião. Pois encontrava-me embaraçado com tantas dúvidas e erros que me parecia não ter tido outro proveito, ao procurar instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez mais a minha ignorância. E, no entanto, estivera numa das mais célebres escolas da Europa (…).”

Descartes, Discurso do Método, I Parte, Lisboa, Ed. Mar. Fim, 1989, p. 13.

Descartes estava, de facto, decepcionado com o ensino que lhe havia sido ministrado. Não era tanto o método de ensino que estava em causa mas os conteúdos e a desarticulação curricular entre as várias disciplinas leccionadas.

Para além de sentir que o seu conhecimento não era coerente, recusou a lógica como processo ideal de investigação do saber. A lógica aristotélica aparecia-lhe incapaz de permitir o progresso do conhecimento. Ora, para Descartes, a função da filosofia é o aumento gradual do conhecimento, a busca de um saber unitário e universal, ou seja, atravessado por uma mesma estrutura matemática.

Influenciado pela filosofia do Renascimento, mas ligado ainda à filosofia medieval, Descartes foi um adepto intransigente do vigor, da clareza e da disciplina metódica. Nesse sentido, a sua obra tem como ponto de arranque a dúvida universal, que se institui como método e critério da verdade. Duvidando de todos os conhecimentos adquiridos, duvidando da sua própria existência, Descartes chega à evidência de uma verdade que não pode negar: o seu próprio pensar, a realidade do sujeito pensante que se torna assim no arquétipo da ideia clara e distinta – «penso, logo existo».

Grande matemático, inventor da geometria analítica, restaurador do interesse pela metafísica na sua época, os problemas e questões por ele levantados abriram caminho a um dos períodos mais florescentes da ciência e da reflexão filosófica na história da Humanidade.

Das suas inúmeras obras, científicas e filosóficas, destacamos as seguintes:

Compêndio de Música (redigida em 1618 e publicada postumamente);

Primeiros Pensamentos (obra só conhecida por referências indirectas);

Exercício do Bom Senso (obra perdida, possivelmente do

período 1620-1625);

O Mundo ou Tratado da Luz (obra inacabada, publicada em 1644 com o título de O Mundo);

O Homem (publicada em 1644);

Discurso do Método (seguido dos três Ensaios Dióptrica, Geometria, Meteoros, publicados em 1637);

Meditações sobre Filosofia Primeira…(Meditações Metafísicas) (publicado em 1641; sete séries de Objecções seguidas das respectivas Respostas de Descartes);

Princípios de Filosofia (publicado em 1644);

As Paixões da Alma (publicado em 1649);

A Busca da Verdade pela luz natural (texto inacabado, com data desconhecida, encontrado após a morte do filósofo);

A imensa Correspondência de Descartes começa a ser publicada a partir de 1657.

Cronologia

1596
Nasce, a 31 de Março, na cidade francesa de La Haye, na Tourraine.

1606 – 1612
Frequenta o colégio jesuíta de La Flèche, onde estuda Humanidades
(Gramática, Retórica, Poética), Matemática e Filosofia (escolástica).

1612 – 1616
Estuda Direito e Medicina na Universidade de Poitiers, onde obtém
o grau de bacharel e de licenciado em Direito.

1618 Parte para a Holanda e alista-se como voluntário no exército
de Maurício de Nassau.
Trava conhecimento e amizade com o físico e médico holandês Isaac Beeckmann que o incita a dedicar-se aos estudos de física-matemática.

1619
Viaja pela Alemanha, assiste em Frankfurt à coroação
do imperador Maximiliano da Baviera e alista-se no exército deste. Quando o imperador declara guerra a Frederico, rei da Boémia, Descartes retira-se. É por essa altura, no Inverno, estando em férias das campanhas militares, que tem os três sonhos famosos da noite de 10 – 11 de Novembro, sonhos esses que interpreta como premonitórios do seu destino filosófico.

1626
Convive em Paris com filósofos e homens de ciência,
ocupando-se na resolução de problemas de Astronomia, Óptica e Matemática.

1627 – 1628
Redige a obra Regras para a Direcção do Espírito,
que ficou inacabada e só teve publicação muito depois da sua morte.

1629
Instala-se na Holanda. Redige um pequeno esboço
de Metafísica (Sobre a Divindade), que se perdeu, mas que deveria conter já as ideias fundamentais que mais tarde desenvolverá nesse domínio.

1629 – 1633
Redige a sua Física – o Tratado do Mundo –

que desiste de publicar quando sabe da condenação de Galileu pelo Santo Ofício, no ano de 1633.

1637 Publica-se em Leyde, em francês, a primeira obra
de Descartes, intitulada Essays Philosophiques. Dela constam três ensaios científicos (Dióptrica, Geometria, Os Meteoros), precedidos de uma longa introdução que revela o Descartes filósofo metafísico – o famoso Discurso do Método – (vale a pena lêr)

1639 – 1640
Redige um ensaio de Metafísica, intitulado
Meditações sobre a Filosofia Primeira.

1641
São publicadas, em Paris, em latim, as
Meditações sobre a filosofia Primeira, acompanhadas das Objecções de alguns dos principais filósofos do tempo (Mersenne, Gassendi, Hobbes) e das Respostas do filósofo.

1644
São publicados em Amsterdão, em latim, os
Princípios da Filosofia, obra que constitui uma espécie de compêndio do cartesianismo e que se destinava a substituir, no ensino das escolas, a tradicional filosofia aristotélica.
Inicia a correspondência com Isabel da Baviera, princesa palatina. Mulher inteligente e culta, grande admiradora de Descartes, uniu-a a ela uma íntima amizade.

1647 – 1648
Redige um pequeno tratado sobre a
Descrição do Corpo Humano, onde aborda a questão da formação do feto.

1649
A convite da rainha Cristina da Suécia,
Descartes deixa a Holanda e instala-se em Estocolmo como preceptor e conselheiro da rainha.

Publica-se em Paris, em francês, As Paixões da Alma, obra que dedica a Isabel da Baviera e onde o filósofo desenvolve as suas ideias morais e psicológicas.

1650
Morre, em Estocolmo, a 11 de Fevereiro.

O Conhecimento

O homem sentiu, desde sempre, necessidade de explicar o mundo que o rodeia. Por isso, o problema do conhecimento foi colocado logo desde o início da filosofia grega.

Embora o conhecimento seja, não um estado mas sim um processo e, como tal, necessariamente relacionado com a actividade prática do homem (conhecer não é só possuir uma representação mental do mundo, é também actuar no mundo a partir da representação que dele temos), tradicionalmente, o conhecimento foi descrito como uma relação entre um sujeito, enquanto agente conhecedor, e um objecto, enquanto coisa conhecida. Dois grandes problemas se colocam:

1. Qual a origem do conhecimento?

Será que todo o conhecimento procede apenas da experiência? Será que alguns dos nossos conhecimentos têm a sua origem na razão? Ou será que todo o conhecimento resulta de uma elaboração racional a partir dos dados da experiência?

Três respostas são possíveis a esta questão: o empirismo, o racionalismo e o empírico-racionalismo ou intelectualismo.

O empirismo

O empirismo considera como fonte de todas as nossas representações os dados fornecidos pelos sentidos. Assim, todo o conhecimento é «a posteriori», isto é, provém da experiência e à experiência se reduz. Segundo os empiristas, inclusivamente as noções matemáticas seriam cópias mentais estilizadas das figuras e objectos que se apresentam à percepção.

” Os pontos, as linhas, os círculos que cada um tem no espírito são simples cópias dos pontos, linhas e círculos que conheceu na experiência”

Stuart Mill

Assim, “a linha recta seria uma simples cópia do fio de prumo, como o plano, simples cópia da superfície do lago, o círculo da lua ou do sol, o cilindro do tronco de árvore e a noção de número deriva da percepção empírica de colecções de objectos.” (Ribeiro e Silva, 1973, p. 390).

O racionalismo

Os racionalistas consideram que só é verdadeiro conhecimento aquele que for logicamente necessário e universalmente válido, isto é, o conhecimento matemático é o próprio modelo do conhecimento. Assim sendo, o racionalismo tem que admitir que há determinados tipos de conhecimento, em especial as noções matemáticas, que têm origem na razão. Não quer isso dizer que neguem a existência do conhecimento empírico. Admitem-no. Consideram-no porém como simples opinião, desprovido de qualquer valor científico. O conhecimento, assim entendido, supõe a existência de ideias ou essências anteriores e independentes de toda a experiência.

Descartes defende uma particular posição no interior do racionalismo: o racionalismo inatista.

O empírico-racionalismo ou intelectualismo

Para os defensores desta teoria, as nossas representações são construções «a posteriori» elaboradas pela razão a partir dos dados experimentais. Assim, o conhecimento tem a sua origem na experiência mas a sua validade só pode ser garantida pela razão.
As noções matemáticas são construções racionais a partir da observação dos objectos e figuras que rodeiam o homem. Decorrem de processos de abstracção e regularização relativamente à irregularidade das figuras reais.

2. Qual a natureza do conhecimento?

O que é que conhecemos? Os próprios objectos ou as representações, em nós, desses objectos?

Para responder a estas questões, duas grandes doutrinas têm sido defendidas:

O realismo

O realismo afirma que no acto do conhecimento, o sujeito consegue apreender um objecto que é independente e distinto dele.

O idealismo

O idealismo defende que não é o objecto em si que conhecemos mas o objecto tal como se nos representa. Em limite, não podemos saber sequer se há coisas reais, transcendentes ou exteriores ao espírito ou, se pelo contrário, tudo quanto existe está no espírito.

Descartes recusa a concepção realista do objecto defendendo um idealismo crítico.

O Idealismo crítico

Na perspectiva de Descartes, a realidade comporta dois aspectos: o extensivo e o qualitativo. Um objecto é um corpo que se caracteriza pela extensão, pelo movimento e também por um complexo de qualidades sensíveis. Mas só a extensão e o movimento têm realidade objectiva, ou seja, existem independentemente do sujeito. As qualidades sensíveis (som, cor, odor, sabor, etc) são subjectivas, isto é, só existem na nossa consciência. – (Para um invisual as cores não existem, até entre os visuais pode haver percepções diferentes da cor do mesmo objecto, este exemplo é perfeitamente verificável por exemplo no paladar, dois indivíduos podem provar o mesmo prato e terem percepções, (neste caso o sabor) completamente divergentes entre si, duas percepções diferentes da mesma coisa.)

Estamos perante uma gnosiologia que compatibiliza um realismo crítico com um idealismo moderado. Na verdade, ao afirmar a prioridade do pensamento e do sujeito na ordem do conhecer, Descartes não reduz o ser ao pensar, não nega a realidade do mundo exterior, nem a sua total independência em relação ao sujeito. Não adopta, por isso, uma posição do idealismo metafísico. Bem, pelo contrário, ao admitir a existência de qualidades objectivas assume uma posição de realismo crítico, uma vez que admite que a extensão é, em si mesmo, algo de diferente do pensamento.

Nesta ordem de ideias, Descartes admite a existência de três substâncias:

1- Res cogitans (espírito): substância pensante, imperfeita, finita e dependente.

2- Res divina (Deus): substância eterna, perfeita, infinita, que pensa e é independente.

3- Res extensa (matéria): substância que não pensa, extensa, imperfeita, finita e dependente.

A questão que se coloca é a de saber por que razão Descartes adopta esta ordem que dá a primazia à res cogitans e não à res divina. Por que razão é que Descartes, ao contrário de toda a tradição cristã, não coloca Deus em primeiro lugar?

É justamente a audácia desta ruptura que faz de Descartes o primeiro filósofo moderno. A verdade inquestionável, indubitável, não é a da existência de Deus, como foi repetidamente mantido ao longo de todo o pensamento medieval,, mas a da existência do cogito. Assim sendo, é a partir da res cogitans que Descartes se propõe demonstrar a existência de Deus. Só depois, num terceiro momento, é que fica garantida a existência do mundo.

Descartes preocupou-se, desde muito cedo, em formular um método, que permitisse orientar a razão de forma a atingir o conhecimento verdadeiro.

Já no tempo em que estudou em La Flèche, havia inventado um método para disputar em Filosofia, método esse que fazia lembrar alguns procedimentos utilizados pelos matemáticos. Indo contra o método usado naquele tempo nas escolas, que assentava na lógica aristotélica, Descartes procurou antes orientar-se pelo rigor que a matemática lhe fornecia.

Colégio jesuíta da La Flèche

“(…) todas as coisas podem dispor-se sob a forma de séries, não enquanto as referimos a qualquer género de ser, como fazem os filósofos que as repartiram nas suas categorias, mas enquanto se podem conhecer umas a partir das outras, de tal modo que, cada vez que se apresenta uma dificuldade, possamos imediatamente dar-nos conta se será útil resolver outras previamente, e quais, e em que ordem.”

Descartes, Regras, Reg. 6, A.T., X, 381.

Assentando no conceito de série, temos o conceito de ordem, conceito essencial no método cartesiano. A ordem permitia hierarquizar os nossos pensamentos, dos mais simples (dados pela intuição) aos mais complexos (dados pela dedução). É esta a ideia que se distingue na seguinte passagem:

“A ordem consiste apenas nisto: que as coisas que são propostas em primeiro lugar devem ser conhecidas sem a ajuda das seguintes, e que as seguintes devem estar dispostas de tal modo que sejam demonstradas pelas coisas que as precedem.”

Descartes, Respostas às Segundas Objecções

Subjacente ao próprio conceito de método está o do conjunto das regras que o compõem. Descartes formulou quatro regras que analisaremos após a leitura de excertos do Discurso do Método onde o filósofo as descreve:

“O primeiro era nunca aceitar coisa alguma por verdadeira, sem que a conhecesse evidentemente como tal: quer dizer, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção; e não aceitar nada nos meus juízos, senão o que se me apresentasse tão clara e distintamente ao meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de o colocar em dúvida.
O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse possível e quantas fossem necessárias para melhor as resolver.

O terceiro, conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objectos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até ao conhecimento dos mais compostos; e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.

E o último, de fazer sempre enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que estivesse seguro de nada omitir.”

Descartes, Discurso do Método, II Parte, ed. cit., p. 23.

A primeira destas regras é a regra da evidência. Descartes indica com toda a precisão a necessidade de pôr de lado todo o conhecimento que não tenha um princípio na evidência. Rejeitando todos os conhecimentos provenientes dos sentidos, da imaginação ou de formulações apressadas (precipitação), recusando as explicações que lhe haviam sido dadas como certas desde a sua infância (prevenção), aceita apenas aquilo que é claro e distinto, aquilo que não pode ser posto em dúvida, isto é, aquilo que é evidente. (entenda-se evidente como aquilo que é inabalável, ou seja, tudo aquilo que não consegue ser abalado pela duvida metódica, tudo aquilo que a duvida não consegue destruir.)

A segunda regra é a regra da divisão, segundo a qual é necessário dividir cada dificuldade ou problema no maior número de parcelas e estudar cada parcela separadamente.

A terceira regra é a regra da ordem. Partir dos factos mais simples e fáceis para os mais complexos. Nesta regra está implícita a dedução como percurso correcto de pensar.

A última das regras é a regra da enumeração, que consiste numa espécie de revisão de todo o processo, uma visão global de todos os passos que garante que nada tenha sido omitido.

Da dúvida ao cogito

Se o método é, como vimos o caminho para atingir a verdade, é preciso começar pela aplicação da sua primeira regra, isto é, nada admitir que não seja absolutamente certo, ou, noutros termos, é preciso duvidar de tudo o que não é dotado de uma certeza absoluta, excluir tudo o que é impregnado por essa dúvida. Daí aparecer uma tripla necessidade:

Necessidade prévia de duvidar

Necessidade de nada excluir da dúvida

Necessidade de tratar provisoriamente como falsas as coisas impregnadas do menor motivo de dúvida.

A esta tripla necessidade correspondem três características da dúvida cartesiana:

Ela é metódica porque é um instrumento de conhecimento cuja meta é atingir a verdade

Ela é universal porque no processo do conhecimento, nada deve ser imune à aplicação do critério da dúvida

Ela é provisória na medida em que desaparece sempre que a verdade for atingida

Descartes defende pois que, para chegar à verdade, temos de duvidar de tudo. Todas as coisas em que aparecer a menor dúvida devem ser tomadas por falsas. Assim temos que duvidar das coisas sensíveis, pois os sentidos muitas vezes erram. Além disso, quando sonhamos, passamos por diversas sensações ou imaginamos coisas que, apesar de parecerem reais, não têm realidade fora de nós. Devemos ainda duvidar daquilo que antes tínhamos tomado como certo, mesmo das demonstrações matemáticas.

No entanto, no próprio momento de duvidar, Descartes reconhece que, pelo menos, aquele que duvida, tem que existir:

“Não podemos duvidar de que existimos quando duvidamos; e este é o primeiro conhecimento que obtemos filosofando com ordem.
Assim, rejeitando todas aquelas coisas de que podemos duvidar de algum modo, e até mesmo imaginando que são falsas, facilmente supomos que não existe nenhum Deus, nenhum céu, nenhuns corpos; e que nós mesmos não temos mãos nem pés, nem de resto corpo algum; mas não assim que nada somos, nós que tais coisas pensamos: pois repugna que se admita que aquele que pensa, no próprio momento em que pensa, não exista. E, por conseguinte, este conhecimento, eu penso, logo existo, é o primeiro e mais certo de todos, que ocorre a quem quer que filosofa com ordem.”

Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 55.

Prova da Existência de Deus

Vimos já como Descartes, pela aplicação da dúvida metódica, assumiu a existência do cogito ([b][u]eu penso), isto é, da sua existência como ser pensante.[/b][/u] Contudo, levantava-se a questão de existência do mundo que o rodeava. A negação do valor dos sentidos como meio de acesso ao conhecimento verdadeiro colocava-o, de facto, perante a situação de ter que duvidar da existência da árvore que estava naquele momento a ver.

Descartes aceitava que o mundo tivesse sido criado por Deus, aceitava que, se Deus existisse, ele seria garantia e suporte de todas as outras verdades. Mas, como saber se Deus existe ou não? Como provar a sua existência se apenas podia ter a certeza da existência do cogito?

Nas suas obras, Descartes apresentou três provas da existência de Deus.

1ª Prova a priori pela simples consideração da ideia de ser perfeito

“Dado que, no nosso conceito de Deus, está contida a existência, é correctamente que se conclui que Deus existe.

Considerando, portanto, entre as diversas ideias que uma é a do ente sumamente inteligente, sumamente potente e sumamente perfeito, a qual é, de longe, a principal de todas, reconhecemos nela a existência, não apenas como possível e contingente, como acontece nas ideias de todas as outras coisas que percepcionamos distintamente, mas como totalmente necessária e eterna. E, da mesma forma que, por exemplo, percebemos que na ideia de triângulo está necessariamente contido que os seus três ângulos iguais são iguais a dois ângulos rectos, assim, pela simples percepção de que a existência necessária e eterna está contida na ideia do ser sumamente perfeito, devemos concluir sem ambiguidade que o ente sumamente perfeito existe.”

Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 61-62.

A prova é magistralmente simples. Ela consiste em mostrar que, porque existe em nós a simples ideia de um ser perfeito e infinito, daí resulta que esse ser necessariamente tem que existir. (Argumento na minha opinião sem o minimo de cabimento)

2ª Prova a posteriori pela causalidade das ideias

Descartes conclui que Deus existe pelo facto de a sua ideia existir em nós. Uma das passagens onde ele exprime melhor esta ideia é:

“Assim, dado que temos em nós a ideia de Deus ou do ser supremo, com razão podemos examinar a causa por que a temos; e encontraremos nela tanta imensidade que por isso nos certificamos absolutamente de que ela só pode ter sido posta em nós por um ser em que exista efectivamente a plenitude de todas as perfeições, ou seja, por um Deus realmente existente. Com efeito, pela luz natural é evidente não só que do nada nada se faz, mas também que não se produz o que é mais perfeito pelo que é menos perfeito, como causa eficiente e total; e, ainda, que não pode haver em nós a ideia ou imagem de alguma coisa da qual não exista algures, seja em nós, seja fora de nós, algum arquétipo que contenha a coisa e todas as suas perfeições. E porque de modo nenhum encontramos em nós aquelas supremas perfeições cuja ideia possuímos, disso concluímos correctamente que elas existem, ou certamente existiram alguma vez, em algum ser diferente de nós, a saber, em Deus; do que se segue com total evidência que elas ainda existem.”

Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 64.

A prova consiste agora em mostrar que, porque possuímos a ideia de Deus como ser perfeitíssimo, somos levados a concluir que esse ser efectivamente existe como causa da nossa ideia da sua perfeição. De facto, como poderíamos nós ter a ideia de perfeição, se somos seres imperfeitos? Como poderia o menos perfeito ser causa do mais perfeito?

Deste modo, conclui, já que nenhum homem possui tais perfeições, deve existir algum ser perfeito que é a causa dessa nossa ideia de perfeição. Esse ser é Deus.

3ª Prova a posteriori baseada na contingência do espírito

“Se tivesse poder para me conservar a mim mesmo, tanto mais poder teria para me dar as perfeições que me faltam; pois elas são apenas atributos da substância, e eu sou substância. Mas não tenho poder para dar a mim mesmo estas perfeições; se o tivesse, já as possuiria. Por conseguinte, não tenho poder para me conservar a mim mesmo.

Assim, não posso existir, a não ser que seja conservado enquanto existo, seja por mim próprio, se tivesse poder para tal, seja por outro que o possui. Ora, eu existo, e contudo não possuo poder para me conservar a mim próprio, como já foi provado. Logo, sou conservado por outro.

Além disso, aquele pelo qual sou conservado possui formal e eminentemente tudo aquilo que em mim existe. Mas em mim existe a percepção de muitas perfeições que me faltam, ao mesmo tempo que tenho a percepção da ideia de Deus. Logo, também nele, que me conserva, existe percepção das mesmas perfeições.

Assim, ele próprio não pode ter percepção de algumas perfeições que lhe faltem, ou que não possua formal ou eminentemente. Como, porém, tem o poder para me conservar, como foi dito, muito mais poder terá para as dar a si mesmo, se lhe faltassem. Tem pois a percepção de todas aquelas que me faltam e que concebo poderem só existir em Deus, como foi provado. Portanto, possui-as formal e eminentemente, e assim é Deus.”

Descartes, Oeuvres, VII, pp. 166-169.

Descartes demonstra agora a existência de Deus a partir do facto de que não nos podemos conservar a nós próprios. Se não podemos garantir a nossa existência, mas apesar disso existimos, é porque alguém nos pode garantir essa existência.

O cogito é, assim, a expressão final sintética e intuitiva do processo de aplicação metódica da dúvida. Com efeito, é através deste processo que se atinge a substância da alma como puro pensamento (res cogitans) e que se define a essência do homem por via desta substância: eu penso, logo existo (cogito ergo sum).

Bibliografia

ANTUNES, Alberto, ESTANQUEIRO, António, VIDIGAL, Mário (1994) – Filosofia 11º ano. Lisboa: Editorial Presença.

BALL, W. W. Rouse (?) – A short Account of the History of Mathematics. New York: Dover Publications.

BOS, Henk J. M. (?) – Lecture in the History of Mathematics (Vol. 7). American Mathematical Society; London Mathematical Society.

BOYER, Carl B. (1996) – História da Matemática. Editora Edgard Blücher

CORREIA, A. Luísa, EUSÉBIO, C. Moreira, ALBUQUEUQUE, T. Olga (?) – Matemática 7º ano de escolaridade. Rio Tinto: Edições Asa

KLINE, Morris (1990) – Mathematics in Western Culture. Londres: Penguin Books.

KLINE, Morris (1974) – Matematicas en el mundo moderno. Editorial Blume.

KOYRÉ, Alexandre (1963) – Considerações sobre Descartes. Lisboa: Presença (1980).

MUIR, Jane ( 1996) – Of Men and Numbers, the story of the Great Mathematicians. New York: Dover Publications.

OLIVEIRA, Filomena, MONTEIRO, António, MARTINS, Luís (1990) – Filosofar 2. Lisboa: Editora Replicação.

SINGER, Charles (1959) – Scientific ideas to 1900, Oxford: Oxford University Press.

Aconselho vivamente a adquirirem : Os Princípios da Filosofia de Descartes – Exposição e Comentário da Metafísica Cartesiana de Pedro M. S. Alves

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Respostas

  1. eis uma excelente síntese!utiliza tb esquemas para exprimir as ideias filosóficas, ou não?

  2. Em alguns casos sim mas fico pelos esquemas mentais.

  3. Renê Filosofo

  4. eu queria saber a historia da filosofia qual foi os
    pençamentos deles do socrates ,plataoe o aristotelis.

  5. I am here at a forum newcomer. Until I read and deal with the forum.
    Let’s learn!

  6. Eu gostava de saber qual é o pensamento de descartes e david hume, pois tenho de fazer um trabalho sobre isso, alguem me pode ajudar?

  7. jkdfshrsdjkfhsdakhkfsahkfasdhkhça

  8. Mesmo sabendo que o Blog está indefinidamente parado, queria agradecer ao autor por essa ótima sintese. Obrigado.

  9. […] *Unsaid Goodbyes é uma foto de Lembrancas **Time é uma foto de Nikx RECOMENDO a leitura de Filosofia da dúvida […]

  10. […] *Unsaid Goodbyes é uma foto de Lembrancas **Time é uma foto de Nikx RECOMENDO a leitura de Filosofia da dúvida […]

  11. exepcional este texto,
    acho q vai me ajudar pra caramba amanha no trabalho
    obrigado

  12. ficou muito legal conteudo que me ajuda nos trabalhos muito bom mesmo!!!!

    muitoo brigada a todos que fazem esta pagina da net…

    LI BJ

  13. TODOS DEVEM DEIXAR SEUCOMENTARIO PORQUE E IMPORTANTE…

  14. Sua publicação com textos de Descartes e comentários é maravilhosa.
    Própria para estudantes de Filosofia como eu.
    Gostaria, se possível, de textos sobre Kant.
    Um grande abraço

  15. Só sei que este pesamento é ótimo, para as pessoas que acreditam em tudo que ver, logo de partida. Espere um pouco, a vida é curta mais não é rápida, pare e pense…

  16. gostei muito pois o texto fala do cogito é, assim, a expressão final sintética e intuitiva do processo de aplicação metódica da dúvida.

  17. O cogito é, assim, a expressão final sintética e intuitiva do processo de aplicação metódica da dúvida por isso gostei muito.

  18. Descartes na sua primeira prova a priori da existência de Deus, disse:

    “E, da mesma forma que, por exemplo, percebemos que na idéia de triângulo está necessariamente contido que os seus três ângulos iguais são iguais a dois ângulos retos, assim, pela simples percepção de que a existência necessária e eterna está contida na idéia do ser sumamente perfeito, devemos concluir sem ambigüidade que o ente sumamente perfeito existe”

    A comparação do triângulo é inadequada a menos que se referisse à geometria euclidiana. O que mostra que talvez seus fundamentos e argumentos eram frutos do que sabia do conhecimento da sua época.

  19. Obrigada à todos que sintetinzam os textos dos grandes filósofos,facilitando o acesso de todos que queiram conhecer grandes pensadores.
    Lucy

  20. Muito massa esse conteúdo, o autor se coloca com perfeição, ao dizer em um dado momento que discorda plenamente, com a opinião do autor. Isso é de grande importancia. Pois fica evidente essa liberdade de expressão, que na minha concepção é muito necessária!

  21. bom resumo!!!!!!!!!!
    gostaria de saber as principais contribuições filosoficas de Descartes.

  22. Penso che si sbagliano. Cerchiamo di discutere di questo. Scrivere a me in PM.

  23. o que ele que procurava e o que ele rejeitava ?

  24. o que ele procurava e o que ele rejeitava ?

  25. pena que meu prof de filosofia odeia net ele iria aproveitar essas informações ficaram otimas parabens aos envolvidos

  26. Acendeu uma luz no fim do túnel. OBRIGADA!

  27. Gostei muito mim ajudou pra mim estudar pra,. Meu trabalho muito bom….

  28. Jó: 34. 14. Se fosse o desejo dele, e de fato determinasse a retirada do seu Espírito e o seu Sopro dos homens, 15. a humanidade pereceria toda de uma só vez, e o ser humano voltaria ao pó! – Bíblia JFA Offline


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